Florestas Inibem Restauração de Ecossistemas

Florestas inibem Restauração de Ecossistemas

Estudo mostra que supervalorização das florestas pode ser obstáculo à restauração de ecossistemas. Motivo: a falta de interesse em ecossistemas abertos, que os autores chamam de disparidade de consciência de bioma (DCB), dificulta o  conhecimento técnico adequado sobre biomas não florestais e de suas inclusões em projetos e políticas públicas. 

Redação

São Paulo, 07/12 de 2021.

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Para o senso comum pode soar como um contrassenso, mas um estudo científico que acaba de ser publicado no Journal of Applied Ecology descobriu que a prevalência das florestas em estudos científicos e nas redes sociais pode ser um obstáculo para atingir as metas internacionais de restauração de ecossistemas – tema ao qual a ONU dedicou a década que vai até 2030. 

“O que ficou evidente por meio de nossa análise é que há uma disparidade de consciência de  biomas, conceito que pode ser definido como uma falha em reconhecer a importância de todos os biomas na política de conservação e restauração”, explica Lívia Carvalho Moura, do ISPN, e uma das autoras do estudo.  “Essa disparidade leva a abordagens de restauração centradas em árvores, que são inadequadas para muitos biomas abertos, ricos em espécies e que fornecem serviços ecossistêmicos essenciais para uma grande parcela da população mundial”, completa.

Assinada por um grupo de 14 cientistas do Brasil, Austrália, África do Sul, Reino Unido, França e Estados Unidos, a pesquisa analisou quase mil estudos científicos, além de mais de 50 mil tweets das instituições parceiras da Década da Restauração das Nações Unidas que, juntas, têm 12,3 milhões de seguidores, e mais de 45 mil tweets dos maiores canais de mídia de ciência e meio ambiente em todo mundo.  A análise concentrou-se nas regiões tropicais e subtropicais do sul global porque a maioria das áreas visadas por iniciativas globais de restauração estão localizadas em latitudes mais baixas.

Os resultados mostraram uma quantidade 9,6 vezes superior de tweets para florestas do que para biomas abertos. Disparidade semelhante foi encontrada na análise dos estudos científicos: cerca de 70% dos estudos de restauração concentram-se em florestas tropicais. A restauração em campos  e savanas tropicais e subtropicais, por sua vez, soma apenas 8,9% dos estudos de restauração analisados. A superexposição das florestas fica ainda mais evidente quando lembramos que estas ocupam 42,9% da faixa tropical do planeta, enquanto que os biomas não florestais estendem-se por 57,1% dessa região.

Existem outros biomas a serem observados – desequilíbrio é perigoso

Segundo o relatório, essas disparidades no conhecimento minam as chances de uma restauração bem-sucedida devido a lacunas de conhecimento na restauração de biomas abertos. Por outro lado, a abundância de conhecimento sobre florestas pode levar a vieses na seleção de critérios para projetos e políticas públicas, com a inclusão de condicionantes exclusivas ou nas quais as florestas têm vantagem natural.

Outro problema detectado pelo estudo é a supervalorização do plantio de árvores. Mais da metade dos estudos conduzidos em biomas abertos reportou o plantio de árvores como a principal ação de restauração, sugerindo a aplicação incorreta de técnicas centradas em florestas. Ao contrário das florestas tropicais, os biomas abertos, são ameaçados não apenas pela perda de árvores, mas também por aumentos na cobertura de árvores (ou seja, invasão lenhosa). Os autores reconhecem que os esforços de reflorestamento são importantes e têm seu lugar, mas alertam que os biomas abertos devem receber atenção semelhante para conservar a biodiversidade, o potencial de mitigação do clima e os benefícios de subsistência humana.

“Embora todos os biomas terrestres estejam passando por mudanças ambientais induzidas pelo homem, as iniciativas de restauração em grande escala se concentram principalmente em florestas e no plantio de árvores, sendo que todos os biomas, não apenas florestais, têm grande importância para a biodiversidade, subsistência humana e o clima”, explica Lívia. “Para que as metas da Década das Nações Unidas sobre Restauração de Ecossistemas sejam cumpridas, é essencial que cientistas, formuladores de políticas ambientais e o público reconheçam que uma ênfase exagerada em florestas e árvores deixará para trás muitos ecossistemas, junto com as pessoas que dependem deles para seu sustento”, adverte.

Florestas inibem Restauração de Ecossistemas
Cerrado brasileiro. Onde as águas se escondem.
Cerrado brasileiro. Onde as águas se escondem… (Img. Internet)

Em países subsaarianos, Índia e China, agrossilvicultura e florestação em biomas não-florestais estão sendo amplamente implementados, apesar das evidências robustas das consequências prejudiciais desse plantio de árvores na dinâmica ecológica e sociocultural da região.

As plantações de árvores podem resultar em uma redução no sequestro líquido de carbono ou um aumento nas emissões líquidas em relação aos tipos de cobertura da terra originais, como pastagens ou turfeiras. Décadas de plantio de árvores e florestamento na Índia e na China tiveram pouco efeito positivo na extensão da floresta e nos meios de subsistência rurais.

O Cerrado brasileiro é outro bom exemplo do que essa falha em reconhecer a importância de todos os biomas na política de conservação e restauração pode acarretar. Embora seja o segundo maior bioma do Brasil, tem apenas 8,21% de seu território legalmente protegido com unidades de conservação, mesmo sendo berço de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país. Isso faz com que o Cerrado funcione como uma enorme caixa d’água, que irriga 40% do território nacional.

É também a savana mais biodiversa do mundo e, mesmo assim, somente 54,5% de seu território ainda é coberto por vegetação nativa.  A discrepância entre floresta e savana marcou inclusive o Código Florestal, que prevê a conservação de apenas 30% das propriedades do Cerrado, contra 80% na Amazônia.

O relatório também aponta caminhos para superar a disparidade de consciência de bioma por meio da educação, mudança de vocabulário, aumento de mapeamentos de biomas abertos e redução das disparidades na política, na ação e no conhecimento.

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